CVV

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Missão: amparar um coração

Um coração. Este bate no peito uma tristeza. Desta tristeza vem uma angústia. E desta angústia pode brotar um sofrimento. Do mesmo coração pode também surgir uma forte alegria, uma sensação de felicidade, uma vontade de gritar para mundo o que sente.

Mas o que tem somente é a solidão para conviver.

Eis uma tentativa de resumir as mais de mil ligações mensais recebidas pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) da Vila Carrão, na Zona Leste de São Paulo. A missão do órgão, que existe há mais de 50 anos no Brasil, é dar apoio emocional gratuito para quem simplesmente quer ser ouvido, sob total sigilo.

 

A unidade está há 30 anos no bairro e atende 24 horas, por telefone, e, em horário especial e mediante agendamento, pessoalmente quem quer desabafar e ter um contato fraternal.

 

“CVV, boa-noite”, é a voz que vai lembrar de que nunca tudo está perdido

 

Era uma segunda-feira quente de outubro, quando fui à unidade, para fazer uma entrevista. Fica numa rua cheia de casas simples, perto do metrô. Fui recebida pelo seu coordenador, João, 67 anos e quatro filhos. É morador do Tatuapé, bem próximo do lugar.

 

No momento de minha chegada, João não conseguia fechar o portão. Dei uma mãozinha e ele, por sua vez, se dizia ansioso: “Não é sempre que passamos por isso (referindo-se à entrevista)”, justifica.

 

“Que é isso, João, não vai doer nada”, exclamo, mas sabia como se sentia. Geralmente sou eu que fico nervosa a cada matéria feita.

 

Ficamos na sala de atendimento pessoal, que é bem aconchegante. Algumas cadeiras estofadas, um vaso de flores de papel, cortinas brancas. Estas foram afastadas para abrir a janela. Afinal, estava um calor terrível e não parava de suar.

 

João já tem no currículo o voluntariado: “Trabalhei 35 anos no serviço público e depois disso me dediquei a ajudar as pessoas a valorizar a vida. Já fiz distribuição de sopa e, depois que vi um anúncio do CVV em um jornal de bairro, decidi me candidatar. Fiz um curso, que tem duração média de dois meses (mais estágio supervisionado, que leva mais três meses) e hoje coordeno a unidade”, relata.

 

Ele explica que está há sete anos e meio na missão e há um no posto de coordenador. Também me diz como é o dia a dia dele no atendimento telefônico, num horário inusitado: das 22h às 2h. “A maioria das ligações é de mulheres sozinhas, mas muda muito. E ouvimos de tudo aqui. Desde desabafos até notícias boas. Por exemplo, após às 23h, você não vai ligar para um amigo ou psicólogo para dizer que passou em uma entrevista de trabalho, ou conseguiu um aumento. Aí, recorre ao CVV”.

 

E vocês recebem um retorno? “Tem casos em que a pessoa retorna, fala que teve o problema resolvido. É muito bom esse feedback”, comemora João, que continua: “Para nós, nenhuma ligação é trote. Ouvimos todos os casos, sem dar conselhos, sem direcionamentos, sem religião ou crenças. Nossa missão é acolher, ouvir, e não julgar”.

 

O tempo dos telefonemas, João me fala, é variável. Pode ser de alguns minutos ou estender-se por horas. “A pessoa do outro lado é que comanda. Ela fica o tempo que achar melhor e confortável”, revela.

 

A sala de atendimento telefônico é igualmente simples. Na verdade são duas, ou melhor, três cabines, mas uma não está em funcionamento. Quarenta voluntários se revezam em turnos de quatro horas e meia. Solitários, já que a pessoa do turno fica responsável totalmente pela unidade em sua estada.

 

Há também uma cozinha e um quarto para voluntários, especialmente para os que estão no turno noturno possam descansar e esperar o dia amanhecer. Nele estavam algumas arrecadações para bazares que promovem a fim de angariar fundos e manter a unidade.

 

Naquela tarde estava também a voluntária Cris, há dois anos no CVV Carrão. Ela comenta que já fez atendimento pessoal: “Até prefiro atender pessoalmente, porque posso ver nos olhos da pessoa suas angústias. Geralmente vêm homens. A gente não faz um direcionamento, mas mostramos os caminhos. Porque a resposta está dentro dela mesma. Mas como a pessoa está presa aos seus problemas, às suas aflições, não consegue enxergar isso”.

 

Quando saía de lá, com uma série de informações e um certo alívio, afinal, são pessoas que dedicam algumas horas de seu tempo em, como diria João, “estar perto do próximo”, ele me deu uma lição: “Hoje, tudo é muito imediato, rápido, corrido, Keli. As famílias não conversam mais, ou mesmo só por meios eletrônicos. Muitos fazem a refeição juntos em um momento específico, no restaurante, para comer comida caseira”.

 

 

É mesmo. Algo para refletir.

 

Enquanto isso, o coração está aí, com suas batidas e pausas.

 

Como ajudar?

 

Para você ter uma ideia, segundo dados do CVV, 25 brasileiros morrem vítimas de suicídio por dia e ao menos outras 50 tentam tirar a própria vida. No mundo, uma pessoa se mata a cada 40 segundos!

 

Conheça e ajude o trabalho do CVV, que vive de contribuições e da própria ajuda dos voluntários:

 

Telefone da unidade Carrão, ZL: 11 2097-4111

 

Telefone do CVV (atendimentos): 141

 

Fanpage: www.facebook.com/issomefazseguir

 

Site: www.cvv.org.br

 

Twitter: @cvv141oficial

 

Fonte:http://jornalirismo.com.br/jornalismo/14/1892-missao-amparar-um-coracao