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Rompendo as barreiras da depressão

Por Keli Vasconcelos

“Uma vez, fui ao supermercado comprar molho de tomate e não lembrava da marca que usava. A cada rótulo que lia, esquecia o anterior. Isso me irritava e me entristecia. Me senti naquele momento uma incapaz”, relembra Bernadete, engenheira civil que teve a vida modificada pela depressão. No Brasil são 17 milhões de depressivos e mundialmente a doença assola 12% dos homens e das 20% mulheres de todas as idades, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Preocupada com o caso, a Federação Mundial para Saúde Mental (WFMH) criou a campanha “Quebrando Barreiras” na promoção de ações sobre o tema a leigos, pacientes, amigos e parentes (‘cuidadores’), bem como profissionais de saúde. “As pessoas com depressão e sintomas físicos dolorosos sofrem em silêncio durante um ano, em média, antes de procurar um médico, e todas elas passaram por cerca de cinco consultas antes de receber o diagnóstico. É comum ignorar os sintomas – dor de cabeça crônica, dores nas costas e distúrbios gastrointestinais – que podem ser equivocadamente interpretados como outra doença clínica”, comenta Patt Franciosi, vice-presidente da WFMH.

O parceiro oficial no Brasil é a ABRATA (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos), com sede em São Paulo, entidade mobilizada em atividades como palestras, ajuda psicoeducacional, médica e atendimento telefônico e por e-mail gerido por voluntários.

Como forma de aproximar da realidade de quem sofre da depressão, as organizações reuniram-se no auditório do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) - Ibirapuera, no início de novembro, para o encontro “Monólogos da Depressão”. No palco, como cenário, uma vela acessa sobre uma mesinha, uma poltrona e quatro mulheres, do Brasil e do México, com histórias tocantes sobre a enfermidade.

Bernadete, que chegou dormir 14 horas durante os transtornos, Liz, a mãe que emagreceu 13 quilos quando a filha saiu de casa para cursar a faculdade, e as mexicanas Malu, ex-maquiadora, sofreu perdas familiares durante uma década e Marcela, esportista que depois de diagnosticada com uma doença crônica, teve de enfrentar o estágio mais grave da depressão, descreveram seus dramas de forma aberta e emocionante.

Bernadete foi convidada pela ABRATA, onde é voluntária há quase três anos, a participar da dramatização. “Precisava dividir com as pessoas o que aprendi nas reuniões. No atendimento por telefone que faço na associação percebi que tinha muita gente em situações piores que a minha”, revela.

Após o evento, especialistas argumentaram aos presentes que com apoio de familiares, associado à terapia e cuidados adequados são algumas das soluções para as inúmeras faces do problema, que dependendo de cada caso, terá tratamento contínuo.
Na pesquisa “Depressão: A Verdade Dolorosa”, realizada em nome da WFMH em 2005, mostrou que quase 75% dos deprimidos entrevistados não acreditavam, antes de serem diagnosticados, que as dores físicas inexplicáveis representavam sintomas do distúrbio.
Fadiga e outros males ligados a estresse e ansiedade podem conseqüentemente gerar depressão e vícios como alcoolismo, drogas, além de aumento e perda de peso, conforme a genética de cada um. “Pessoas que já tiveram alguém da família com episódios de depressão podem estar propensos”, explana Dra. Helena Calil, professora titular de psicofarmacologia da Escola Paulista de Medicina/UNIFESP.

Nove em cada 10 médicos dizem que o ensino acadêmico na área de depressão, em especial sobre sinais dolorosos, precisa melhorar, aponta outro estudo da WFMH. “O assunto é ainda pouco explorado nas faculdades de medicina e muitos dos atendimentos primários (clínica geral) desvinculam a mente do corpo. Os distúrbios mentais são ligados a saúde corporal e necessitam de tratamento medicamentoso e terapêutico”, completa a Dra. Alexandrina Maleiro, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Informar. Este é o objetivo das instituições para a conscientização da população sobre a depressão. Uma luz para aqueles que estão nas trevas do estigma que assombra a doença. “Estava numa floresta tenebrosa, sozinha e ali me perdi. Hoje eu saí e posso ver as estrelas”, finaliza seu relato Liz, com olhos marejados, e a vela nas mãos.